09/07/2008

O corpo acompanha a vida. A vida passa.(Guilherme Dicke)


Relembre entrevista exclusiva concedida por Dicke à TV Centro América
Escritor era um dos mais premiados do Estado
Marcy Monteiro Neto, redação TVCA

O escritor mato-grossense Ricardo Guilherme Dicke morreu na manhã desta quarta-feira, em Cuiabá. Há dois anos, em entrevista ao repórter Fábio Menegatti, da TV Centro América, Dicke revelou que são situações cotidianas aparentemente banais que são os motores da inspiração dele. Ele acabara de completar 70 anos quando se sentou em meio a estantes abarrotadas de romances, crônicas, contos, biografias e muita filosofia, na própria casa, para conceder uma entrevista. Falou sobre o novo livro que estava escrevendo, a paixão pela pintura e a vida.
Confira abaixo um trecho da entrevista exclusiva concedida por Guilherme Dicke naquela oportunidade:
O senhor nunca pára de escrever. O que está fazendo agora?
Dicke - Tem um matadouro. O irmão do chefe, dono do matadouro, eles são americanos né! Lá a boiada se perde no horizonte, eles matam bois, cortam eles vivinhos, penduram em ganchos, o caminhão vai levando.
Já tem título?
Dicke - Tem, mas não lembro, ainda é indefinido.
Como começou sua carreira de pintor?
Dicke - Quando eu era guri, desenhava, desenhava. Tinha uma grande construção vizinha da casa da minha mãe, perto da Igreja da Boa Morte, eu desenhei ela, tinha mangueira, muita mangueira, um segundo andar grande. No colégio, os padres sabiam da minha habilidade, mandavam desenhar um navio, tinha uma revista que vinha da Itália para eles, vinham uns navios bonitos, transatlânticos. Aí eu copiava, copiava o transatlântico, a torre de Pisa, coisas assim. Aí eles pregavam naquele quadro que ficava lá de avisos, não sei de quê, punham meus desenhos lá. Naquele tempo era muita cópia.
Qual foi o primeiro quadro?
Dicke - Foi esse, o do prédio aí, perto da casa da minha mãe..
Guilherme Dicke escritor é muito influenciado pela filosofia de uma maneira geral. E o pintor?
Dicke - Expressionismo! Expressionismo alemão. Foi no começo do século passado, havia muitos pintores alemães. É uma expressão mais forte, diferente de impressionismo. Impressionismo é só uma sugestão. Desenha uma sugestão de aves, auto-retrato, coisa assim. Expressionismo é tudo forte, com muitas cores passadas pelo pincel.
Dá para fazer uma ponte entre o escritor e o pintor?
Dicke - É o mesmo (risos). Um alter ego. O que faço é seguir os caminhos do coração, onde o coração aponta eu vou para lá. O coração me dá as idéias para desenhar um quadro. Vai nascendo aquela idéia, vai pintando, vai aparecendo, não sei como é isso. Sai sem querer!
Será que vem de cima?
Dicke - Ah vem! É o ouro dos anjos!
Como a palavra de ouro que o senhor costuma dizer, sugerida pela Hilda Hilst?
Dicke - Exatamente.
A edição de Madona dos Páramos, de 1981, teve ilustração do senhor?
Dicke - É, na época eu falei para a editora que tinha um desenho bom. Aí eu mandei, ela gostou. Fiz outros também, deu certo.
O senhor nunca pensou em ilustrar mais seus livros? Aumentar ainda mais seu toque pessoal, ir além das características literárias. Deixar maior sua característica como artista plástico?
Dicke - Você que me deu essa idéia! (Risos)
E foi boa?
Dicke - (Risos) Foi. Seria bom ilustrar como fazia o Willian Blake, com desenhos nos livros, mas ele era o Willian Blake, eu sou o Dicke.
Onde é melhor gritar o sufoco do artista? Na literatura ou na pintura?
Dicke - Na literatura. Tem mais receptividade. A pintura precisa organizar, demora para fazer, para mexer. A literatura você escreve, dá para um amigo, edita.
O senhor é um estudioso da filosofia. Como vê a aplicação da ética sobre um governo constantemente acusado de corrupção?
Dicke - Isso foi feio para o presidente! Mala, cueca levando dinheiro. Decepcionou, mas acho que tinha que votar porque ele é o melhor. Dá comida para os pobres, o dinheiro passou a valer mais depois que ele entrou. Apesar da taxação dos inativos (risos).
O senhor foi taxado?
Dicke - Fui. Tenho 70 anos. É muito ano, né!
Sente-se velho?
Dicke - Eu não me sinto velho. Cabeça de jovem, por dentro está tudo bem jovem! A cabeça está num outro mundo, captando idéias, sugestões.
E o corpo?
Dicke - O corpo acompanha a vida. A vida passa.

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